quinta-feira, maio 08, 2008

Introdução ao Estudo

Eu até aceito que o povo da rua tenha opiniões não muito adequadas. Mas se vocês estudou durante a sua vida toda em bons colégios, fez um vestibular sério e cursou Direito em uma das melhoras faculdades públicas do país, não pode. Pra mim, é inadmissível que essas pessoas continuem com a cabeça de país subdesenvolvido, achando que tudo se resume ao que a Rede Globo fala, não enxergando que o mundo de verdade vai muito além do que uma simples capa de Veja.

Tenho uma amiga de trabalho que é um caso sério. Ontem, no ápice do caso da menina de SP, ela mandou uma de que a prisão preventiva tinha que ser decretada. Eu, no alto da minha ignorância de quem fez 5 anos de faculdade e tem uma carteirinha vermelha que não serve pra bosta nenhuma, argumentei que, na minha humilde visão, não deveria. Porque tecnicamente não existem os requisitos de prisão preventiva nesse caso. Nenhum dos requisitos, na minha opinião.

Não é que eu ouvi um "ahhh...mas eles mataram um filho"?!
Peralá. Não me lembro de ter lido nenhum artigo de nenhuma lei desse país que diga que quem supostamente (sim, até agora é supostamente) tenha matado um filho tenha que ficar preso preventivamente. "Ahhh...mas com certeza eles são culpados". GENTE, alguém me salva!

Ninguém é obrigado a saber lei, direito ou qualquer coisa desse tipo. Até porque é um saco, concordo. Mas na vida há cidadãos que não têm o direito de usar a ignorância como desculpa. Simplesmente assim. O mínimo que eu espero em uma situação dessas é que as pessoas sejam racionais, principalmente as pessoas que DEVEM ser racionais. Que o popular (ai, adoro essa expressão) vá até a casa do casal e chute a porta do carro, vá lá, eu até relevo, apesar de ser absurdo e falta do que fazer, já que em nada vai mudar a situação. Mas aquelas pessoas a quem foram dadas chances de educação e informação em um país tão desigual como esse nunca podem ser ignorantes.

Se os motivos da prisão forem técnicos, ok. Posso ter facilmente meu posicionamento modificado, já que nada sei de Direito Penal, ainda mais que existem um sem-número de correntes e visões pra um mesmo ponto jurídico. Apenas é inaceitável que uma decisão dessas, que cerceia o direito de liberdade do cidadão sem ao menos ele ter sido julgado, seja explicada sem fundamentação alguma. Ainda mais se forem pessoas que deveriam entender e defender o real funcionamento de um sistema tão complexo como o nosso.

Pra começar, desde que eu me entendo por gente, todos são inocentes até que se prove o contrário. Além disso, todo mundo tem direito a defesa, concorda? Papo de advogado chato, eu sei, mas a mais pura verdade...
Se não for assim, bora rasgar a Constituição. Bora fazer julgamento em praça pública. Bora entregar pro leão comer ou reinstaurar a ditadura.

O advogado nada mais é que um técnico na lei. E só isso. Nem a capacidade de mudar ou criar lei o cara tem, apenas de interpretá-la, seja de qual ponto de vista for, seja pra beneficiar ou prejudicar alguém. Eu não posso, tomado pela emoção, utilizar argumentos furados, como "porque mataram um filho". Infelizmente, isso não é, nunca foi e nunca será requisito pra prisão preventiva ou coisa desse tipo. Antes de mais nada, somos técnicos, a discussão é jurídica e a vida não é o último capítulo da novela das oito.
Sempre quando ouço tais barbaries, lembro de um dos meus primeiros dias de aula quando um professor questionou por que tínhamos escolhido o Direito. Direito não é faculdade pra se fazer justiça, pra isso existe Serviço Social. Direito é Justiça, com j maiúsculo - ou seja, Poder Judiciário, puro e simples.

Não me entendam errado, por favor. Não estou aqui defendendo que os pais da criança devam ficar soltos. Nem que o Pimenta Neves, réu confesso, deva aguardar em liberdade até o julgamento em última instância. Muito menos que um condenado a 30 anos por ser mandante de um crime seja posteriormente absolvido. Mas tecnicamente, por mais absurdas que sejam, essas possibilidades jurídicas existem e não estão erradas, acredita?

Claro que ainda podemos ter alguma esperança, como quando até o STF concorda com o absurdo de alguma decisão. Mas, na boa, aplica-se o que está escrito, com a interpretação cabível, pra lá ou pra cá. E em um estado democrático de direito como teoricamente vivemos, espero eu que essas decisões não sofram influências da emoção, da mídia, do dinheiro, do poder ou de qualquer outra forma.

Quando até as pessoas que deveriam saber o certo se comportam como se não soubessem, é porque algo está muito errado.
Daí não espantam absurdos como políticos carregando sogras em jatinhos pra Paris ou a proibição da livre expressão, como a Marcha da Maconha, justamente por quem deveria garantir ética e direito até as últimas conseqüências. Mais uma vez, a ignorância desse país, que vai do ponto mínimo até o máximo cabível, mostra a sua cara.

11 comentários:

Too-Tsie disse...

Pois é meu caro, e aquele bando de desocupados ontem na rua?
Cuidar da própria vida ninguém quer.
É o país onde todos são juízes diplomados e já decretaram a sentença.

I'm going, bananas.

Leandro disse...

eu só copiei e colei pra tooooodos os meus amiguinhos do trabalho! quem sabe assim eles se tocam, néam?

beijas

Leandro disse...

a propósito, colei no blog tb, devidamente creditado! beijo

Anónimo disse...

entrei no blog errado?
haha
Cara, já desisti de acompanhar essa novela....

Bjo, saudade!!!

Alexandre Lucas disse...

De parabéns pelo texto =)

.vivi. disse...

de parabéns mesmo, penso igual.
a capa do jornal extra de hoje dizia: "justiça foi feita" ou algo assim, com a descilpa de que era uma declaração da mãe da menina, ainda sim, em letras garrafais, bem na primeira página. é uma forma de opinião que não deveria ser dada, assim como a âncora do jornal fazer caras e bocas de "absurdo" ao dar a notícia, acredito que além do que vc disse, a imprensa está muito errada pois ao invés de apenas dar a notícia, que deveria ser o certo, expressa a sua opinião pessoal, o que além de ser errado em todos os ângulos, não nos interessa.

Thiago Lasco disse...

Senti que vc subiu num mini-palanque (em forma de queijo, é claro!).

Não adianta querer explicar como o Direito funciona, Gui. O leigo não entende que a Justiça não tem liberdade criativa e que qualquer prisão depende dos requisitos que o Código de Processo Penal estabelece. E, mais ainda, que prisão preventiva é bem diferente de aplicação de pena!

Mas enfim... se a sua interlocutora tb fez Direito, isso ela tinha que saber, né?

K. disse...

Ah, finalmente alguém falando com propriedade sobre o assunto... Ufa!

Anónimo disse...

Finalmente uma opinião sensata nesse mar caótico!
Estava passeando pelos blogs quando achei o teu e li teu post sobre o caso. É a minha opinião.
Sou sentimental sim, é algo muito triste, mas nada justifica esse carnaval feito ao redor do caso, e a reação popular.
Lamentável.

parabéns pelo blog ^^

Vítor disse...

Nossa, eu também ando irritadíssimo com as coisas que ouço a respeito desse caso. Para ser sincero, não tenho muito saco nem para compreender leigos comentando sobre o assunto. Eu não fico tecendo comentários levianos sobre engenharia de petróleo, sobre dermatologia ou sobre física quântica porque não entendo lhufas dessas coisas. Acho que o mesmo vale para quem fala sobre direito. Acho que todo mundo tem direito de criticar as leis, o sistema e tal, mas acho que ninguém tem que ficar falando que isso ou aquilo DEVE ser feito sem ter a mínima noção do que fala, principalmente quando essa "tese" implicaria, como você mesmo disse, rasgar a CRFB.

O pior é que esse é o tipo de coisa que até juízes fazem. É bem típico de magistrado de 1a instância decretar prisão preventiva com fundamentos absurdos... puro achismo. Depois, é acolhido um HC e todo mundo vai dizer que a Justiça é uma palhaçada, como se as leis fossem criadas por advogados e juízes. Enfim, preguiça-mor disso...

Só discordo uma coisa do que você escreveu: acho que o Direito também pode e deve ser utilizado como instrumento de justiça social. Claro que não é da mesma forma feita pelo Serviço Social, mas acho que é essencial ter sempre o aspecto social em vista. A própria aplicação do direito tem se guiar por isso.

De qualquer forma, concordo com o que você escreveu. Talvez, tenha só sido uma forma diferente de dizer uma coisa bem parecida, hehe.

Leo Lazzini disse...

fantaaastico! brother esse txt seu tinha que virar corrente de internmet, daquelas que se vc nao mandar pra 10 pessoas no proximo minuto o pau cai.

parabens!!! lindo