Cada Vez Mais Vazio
Não sei bem o motivo, deve ser saturno – tudo é culpa de saturno, já viu? -, mas esta é uma temporada de outing coletivo. Tá todo mundo saindo do armário, sem medo de ser feliz.
Só na última semana foram dois amigos que de uma hora pra outra e sem um forte motivo, viraram em casa com aquela velha notícia: mamãe, sou gay. O primeiro estava embalado pelo finde de São Paulo e diante da indagação do motivo da viagem à terra da garoa, resolveu abrir o jogo. Já o segundo, numa blue monday um tanto quanto atípica em virtude de um relacionamento turbulento, ligou pra mãe de pilequinho, mandou a verdade e desabou no choro. Isso sem contar outros que foram tirados lá do fundo do closet – um deles pelas queridas cunhadas numa festa de família...
Ao contrário do que a gente pensa, o mundo não acabou. Muito pelo contrário. A mãe de um deles, que já tinha manifestado demonstrações de apoio fosse ele “de qualquer jeito”, garantiu que estará ao seu lado em tudo. Pode parecer um tanto quanto vago, mas lembro que há bem pouco tempo valia a máxima de que só o filho do vizinho era viado. Hoje, o gesto de aceitar (ou pelo menos tentar entender) já não é tão raro quanto parece.
Talvez, pra um casal hétero da classe média brasileira em torno dos 50, 60 anos – a idade dos pais dos jovens gays que se descobrem -, a homossexualidade ainda seja uma grande incógnita. Mas com certeza, diante de notícias sobre casais e adoção, personagens de novelas e personalidades públicas, tornou-se muito menos nebulosa. Quem sabe daqui a alguns poucas gerações se torne ainda mais compreensível – e olha que eu já ouvi de amigos de trabalho “só quero que meu filho apresente a namorada ou o namorado lá pelos 18 anos!”. Assim mesmo, na boa.
Incrível como a figura da mãe é tão presente nesses momentos. Geralmente ela é a primeira a saber, e muitas vezes a única. A mulher, claro, muito mais sábia e inteligente e a quem nós, gays, aprendemos desde muito cedo não só a admirar, mas também a valorizar – coisa que um homem hétero dificilmente consegue fazer em toda a sua vida nessa sociedade machista. Diante de tamanha sensibilidade, eu sempre costumo afirmar pros meus amigos que levantou qualquer hipótese diversa: não adianta, mãe sempre sabe.
No meu caso, fazia pouco mais de um ano que eu saía com caras. E fazia uns 6 meses que tinha começado a viver uma vida efetivamente gay, com direito a X Demente e um círculo de amizades que não parava de aumentar. Talvez inconscientemente já querendo ser descoberto – como eu me conheço, dificilmente eu teria tido coragem de chegar e contar na lata – comecei a deixar alguns “sinais”. Não, não era uma plataforma pink de salto 15. Mas conversas no telefone nem tão discretas – você até pode tentar segurar a onda no início, mas sempre solta alguma coisa - e pequenas mentiras descobertas (lembro uma vez que falei que fui ao Hard Rock Cafe e cheguei a casa às 7 da manhã com o pé elameado de uma Bitch no Terra Encantada) já são mais do que suficientes, ainda mais se você tem uma mãe controladora e observadora como eu tenho...(daí eu não sei de onde puxei essa personalidade difícil, né?)
Não demorou muito e lá veio aquele papo de “temos que ter uma conversa”. E eu, aos 19 anos, muito mais cedo do que poderia ter imaginado na minha vida, respondi sim à pergunta que me foi feita. Foi difícil? Claro, nunca teria sido fácil. Mas hoje eu vivo com um grande problema a menos na minha vida.
Não que esse seja um assunto tranqüilo na mesa de jantar da minha casa – pelo contrário, aliás -, mas eu não preciso dizer que estou em Águas de Lindóia no finde da Parada Gay de SP. E nada tem a ver com o fato de ter me formado cedo e começado a trabalhar logo: foi, sim, questão de mostrar que eu continuo o mesmo, independente de qualquer pequeno detalhe. E isso só o tempo consegue provar.
Uma vez, discutindo esse assunto, ouvi a afirmação de que cada um sabe qual o tamanho do passo que consegue dar. Pra mim, o segredo é não trocar um problema por outro, às vezes muito maior do que o original. É chato não poder levar o namorado em casa, não poder atender o telefone na sala, não dizer que o seu mau humor é culpa daquele carinha filho da puta que não retornou uma ligação? Muito. Mas não são raros os casos de bees que perdem algumas regalias da família ou até mesmo são expulsas de casa (como se fosse resolver o “problema”, ó céus). E, infelizmente, consigo contar nos dedos quantas bees conseguem levar os pais pra jantar com o namorado, deixam a DOM no banheiro da mãe sem qualquer dor de cabeça ou que pedem pro pai comprar o convite das festas da Parada na TW. ;)
É questão de colocar na balança e pesar todos – todos mesmo – os prós e contras. Mas no fundo, seria tão bom apenas ouvir o que ouvi: “Amigo, eu não gosto de mentir. E foi um grande alívio pra mim”.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
9 comentários:
nossa, que sorte a sua.
a minha já sabe e eu ainda tenho q fingir que sou assexuado. no me soy obrigado!
qualquer dia vou me irritar e berrar na frente da família inteira. (e aí, tome valório do avô, infarto do pai e do irmão)
amigo...a gente pensa igualzinho!
jah falei sobre isso no blog a muuuuuuuuuito tempo atras...se tu pesquisar no google meu nome e a palavra "gay" do lado tu vai encontrar...
agora...quem foi a louca que pediu pro pai comprar os ingressos da tw?
meeeeus deus!
HAHAHAHAHAHAHAHAHA
bjooos
jah to com depressao pos jogaçao com a cariocada!
kkkkkkkkkkkkk, rindo pencas da DOM no banheiro
pior q deve estar por lá ainda viu
Minha história é parecida com a sua...uma loucura e ainda tenho que provar que não sou nada "how bizar"...
É um exercício diário....
Adorei as referências do texto!
E eu sou o unico que canto: I just wanna be a woman... sem se descoberto?
"Ao contrário do que a gente pensa, o mundo não acabou". O mundo só começa novamente. e de uma forma muito mais bacana.
i-gual-zi-nho! chocado!
Bom como você mesmo disse e o Gui Silva fez o quote...
"Ao contrário do que a gente pensa, o mundo não acabou"
Comigo foi bem assim, não foi para a família inteira, alguns sabem por tabela, mas quem sabe mesmo e por ter perguntado é a Mama mesmo.
E por incrivel que pareça, foi este ano, só reforça o que você disse "Temporada do outing coletivo".
E a vida segue...
Que post lindo, Gui! Bom saber um pouco mais da sua 'vida real'... eu tb acho fundamental sair do armário dentro de casa. Não precisa contar para a parentada, pro chefe, pra pessoas que vc sabe que não acrescentarão nada (senão parece que estamos pedindo licença e aprovação pros outros, o que definitivamente não é o caso). Mas ter que inventar uma rede de mentiras para as pessoas que moram na sua casa, partilham a sua rotina e estão sempre de olho em vc é desgastante. O outing é sempre um parto, mas depois todas as partes envolvidas só têm a ganhar, a relação fica mais real e mais verdadeira!
Enviar um comentário